11 de novembro de 2009

O casamento da ILGA (terceira parte)

A reivindicação do casamento gay em Portugal é dominada por um pequeno grupo de pessoas e isso deveria ser suficiente para se desconfiar dessa reivindicação. Não que os pequenos grupos não tenham direito a defender o que quer que seja. O problema não está aí, nem poderia estar. O problema é que esse pequeno grupo se tem feito representante de todos os homossexuais portugueses, mas na verdade não sabe o que eles pensam sobre o casamento gay.


Não há estudos de opinião ou inquéritos. E durante a campanha eleitoral para as legislativas de 27 de Setembro ninguém se atreveu a abordar o tema. À falta de melhor, vinga o argumento da associação ILGA Portugal segundo o qual todos os homossexuais são favoráveis à alteração do Código Civil. É isso que a ILGA acha , é isso que os media acham que é a verdade e é isso que os partidos que se preparam para aprovar o casamento gay na Assembleia da República acham que está correcto. Toda a gente está a navegar à vista.

Dir-se-á que se o manifesto/petição promovido em meados deste ano pelo Movimento Pela Igualdade (MPI, formado, dizem os próprios, por representantes da sociedade civil) teve milhares de assinaturas (7113, até ao momento, como se comprova aqui) por alguma razão foi.



Na verdade, não sabemos, nunca saberemos, quantas das pessoas que o assinaram são homossexuais. Nem sabemos quantas delas é que têm interesse em casar (uma coisa é defender o casamento gay, outra, querer casar).


Um bom exemplo daquilo a que se pode chamar o pequeno mundo do casamento gay está plasmado no programa Prós e Contras (RTP 1), de 16 de Fevereiro de 2009. De um lado, detractores da proposta. Do outro, defensores. Não vale a pena escrever os seus nomes, porque o objectivo deste blogue não é o de fazer ataques ad hominem, mas sim o de discutir ideias. Não se pode, ainda assim, deixar de notar que os defensores do “sim” ao casamento gay presentes naquele Prós e Contras são vencedores do prémio Arco-Íris que a associação ILGA atribui este sábado, em Lisboa – e mais uma vez se comprova a existência do um circuito fechado em que funciona a defesa do casamento gay em Portugal.


Todos os defensores do casamento gay presentes no Prós e Contras de 16 de Fevereiro se conhecem e têm relações pessoais ou profissionais directas uns com os outros. Não há uma voz independente que fale sobre o tema. É possível considerar válidos argumentos em nome da liberdade e da dignidade quando esses argumentos são produzidos, divulgados e defendidos por um minúsculo grupo de privilegiados que se conhecem entre si, cujos interesses são comuns e que falam em nome de uma massa anónima cujo pensamento eles não conhecem? (Privilegiados social e intelectualmente e no acesso que têm aos media.)


Ao contrário do que se quer fazer passar, a ILGA não é representativa dos interesses ou vontade da maior parte dos homossexuais. Tem mil associados, segundo disse o presidente da direcção, Paulo Côrte-Real, numa entrevista ao Expresso (primeiro caderno) de 1 de Agosto de 2009. Algum estudo foi feito nesse universo de associados para averiguar do interesse no casamento gay? Que se saiba, nunca.


No fundo, o pequeno grupo que defende o casamento gay quer impor uma mudança legal sem cuidar de saber dos efeitos sociais que ela pode ter e qual a verdadeira sensibilidade dos homossexuais portugueses em relação ao tema (não vale invocar que muitos gays e muitas lésbicas estiveram presentes na Marcha do Orgulho Gay 2009, em Lisboa e no Porto, porque como toda a gente sabe essas marchas não reivindicaram apenas o casamento gay e aquilo que pensam os gays e as lésbicas politizados das duas maiores cidades do país não é de perto nem de longe representativo da realidade portuguesa).


Mais uma vez, o exemplo americano ajuda a compreender a realidade portuguesa neste tema. Escrevia em 1989, na revista gay americana Out/Look, a activista lésbica Paula Ettelbrick:

“Those closer to the norm or to power in this country are more likely to see marriage as a principle of freedom and equality. Those who are acceptable to the mainstream because of race, gender, and economic status are more likely to want the right to marry. It’s the final acceptance, the ultimate affirmation of identity.” [artigo citado no livro Same-Sex Marriage, Pro & Con – A Reader (2004), organizado pelo conservador americano Andrew Sullivan, p. 126]

Perguntava Paula Ettelbrick: de que serve às pessoas homossexuais das classes mais baixas um reconhecimento pelo Estado das suas relações conjugais se o Estado muitas vezes rejeita essas pessoas pela cor, pelo género, pela profissão?

“If we choose legal marriage we may enjoy the right to add our spouse to our health insurance policy at work, since most employment policies are defined by one’s marital status, not family relationship. However, that choice assumes that we have a job and that our employer provides us with health benefits. For women, particularly women of colour who tend to occupy the low-paying jobs that do not provide health-care benefits at all. (…) The opportunity to marry will neither get them the health benefits nor transform them from outsider to insider”.

3 comentários:

  1. Pequeno grupo? E daí? Não espera concerteza que sejam as maiorias a defender os interesses das minorias. Tal nunca aconteceu na história do mundo, que eu saiba.
    Quanto aos "efeitos sociais" que muito teme, no que parece estar em consonância com as associações de defesa "da vida" e com os representantes da igreja (não se esqueça que são igualmente minorias, em que todos se conhecem, e que não apenas pretendem representar os sentimentos de toda a população, mas pior que isso, endoutriná-la), talvez fosse bom que em vez de se debruçar sobre os textos de activistas lésbicas, que por serem mulheres e viverem nos EUA têm uma perspectiva sui generis do casamento, indagasse o que tem acontecido nos países da Europa onde o casamento entre pessoas do mesmo sexo ja foi legalizado há anos. Sem que tenha havido quaisquer consequências gravosas para a sociedade em geral ou para a instituição do casamento, e onde continua a haver homossexuais que vivem a homossexualidade de todas as formas possíveis, inclusivamente escondidos.
    Não se esqueça de que as possibilidades abertas a uns não impedem os outros de viverem como quiserem. Parece que estamos nos tempos da abolição da escravatura, em que as pessoas temiam catástrofes se os escravos fossem libertados...

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  2. Jorge: não é verdade que a legalização do casamento gay em alguns países europeus não tenha levado a consequências sociais gravosas. Deu-se nesses países aquilo a que em inglês se chama "backlash", ou seja, reacções negativas da sociedade a uma alteração legal profunda com a qual as pessoas não concordam. A seu tempo publicarei aqui partes de um relatório que indica que a homofobia em Espanha em 2008 se mantinha ao mesmo nível de 2005 (ano da legalização do casamento gay).

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  3. Não duvido que a homofobia se mantenha, em qualquer país católico, ao mesmo nível que estava há quatro anos. Do que tenho a certeza, porém, é que se com esta campanha contra o casamento o resultado for negativo, quer haja ou não referendo, nem que seja nas votações no Parlamento, isso provocará um aumento da homofobia neste país pois dará voz à maioria homofóbica. E você está a contribuir para isso!

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